fonte: CIPE

São Paulo, 10 de novembro de 2019.

Recentemente, uma cirurgiã pediátrica atuante no Estado de São Paulo foi frontalmente acusada de má conduta profissional após examinar um bebê portador de hérnia umbilical, confirmar o diagnóstico e determinar que a conduta correta seria clínica e não cirúrgica, como previamente outros médicos, não especialistas, tinham sugerido.

Tal acusação foi feita de forma açodada através de uma página de jornalismo em mídia de Facebook e YouTube, com acusações públicas à colega, incluindo seu nome, horário de trabalho e número de CRM-SP e contendo várias postagens agressivas e xingamentos frontais nos comentários à notícia veiculada.

Evidentemente, não podemos tecer comentários a respeito de um caso clínico específico que não examinamos, mas gostaríamos de nos posicionar quanto a dois problemas específicos.

O primeiro diz respeito ao diagnóstico e tratamento das hérnias umbilicais em crianças.

A maioria absoluta dos bebês apresenta hérnias umbilicais que, nesta idade, são um fenômeno de maturação secundário à queda do cordão umbilical e redução progressiva do espaço que este ocupava, num fenômeno fisiológico. Uma proporção próxima a 90% das hérnias umbilicais pediátricas fecha espontaneamente até os 6 anos de idade, de forma que cirurgia para estes casos só está indicada após os 3-6 anos de vida (variando entre os vários autores) ou em presença de complicações agudas, que são extremamente incomuns. O diagnóstico das hérnias umbilicais, inclusive das suas complicações, é CLÍNICO e NÃO necessita obrigatoriamente de exames complementares. Ao examinar o paciente, o médico, em especial aquele que é especialista em Cirurgia Pediátrica, é capaz de perceber a presença da hernia, aferir a medida do orifício herniário, assim como verificar a presença de complicações (estrangulamentos e encarceramentos).

Repetimos: EXAMES COMPLEMENTARES NÃO SÃO NORMALMENTE NECESSÁRIOS PARA O DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DAS HÉRNIAS UMBILICAIS DAS CRIANÇAS, ASSIM COMO NÃO HÁ INDICAÇÃO DE CIRURGIAS DE URGÊNCIA NA AUSÊNCIA DE COMPLICAÇÕES OU CIRURGIAS ELETIVAS ANTES DOS 3 ANOS DE IDADE.

Nosso segundo ponto de destaque, mais delicado, é sobre respeito: NÃO aceitamos que a integridade profissional de um de nossos colegas especialistas seja vilipendiada publicamente de forma leviana.

Compreendemos a angústia dos pais de crianças sob suspeita de problemas cirúrgicos, em especial se estão erradamente informados sobre os riscos e problemas dos filhos e se estão assustados pelas enormes, frequentes, inúmeras e lamentáveis dificuldades para o atendimento na rede do SUS.

Compreendemos a ansiedade de jornalistas em cumprir sua função de noticiar e denunciar problemas, sua comoção frente a questões de risco de saúde de pessoas em um momento de fragilidade, e sua ignorância a respeito de questões técnicas.

Compreendemos as dificuldades que ora enfrentamos no sistema público de saúde para o atendimento e resolução de problemas.

Compreendemos até mesmo a insegurança de colegas não especialistas que, eventualmente, optam por intervenções agressivas que lhes parecem mais seguras e eventualmente apontam riscos desproporcionais, necessidade de pareceres de especialistas e de intervenções em busca de minimizar riscos – inclusive riscos legais para o profissional – e não perder oportunidades de tratamento para os pacientes.

Mas não podemos compreender agressões injustas e calúnias públicas e irresponsáveis.

Ao bom jornalismo cabe pesquisa, ao bom jornalismo cabe simetria entre os dois lados de qualquer questão impactante ou conflituosa. Ao bom jornalismo, nesta situação, caberia a consulta a um especialista neutro com relação ao caso específico e/ou à própria colega acusada de inépcia.

Precisamos fazer ver à sociedade que precisamos, dentre outras coisas, de respeito e paz para trabalhar corretamente. E que a sociedade precisa do nosso trabalho. Médicos não são inimigos da população, advogam pela população, estão do mesmo lado da trincheira.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIRURGIA PEDIÁTRICA